A covid-19 e o investimento imobiliário: do atual status quo ao dia seguinte
Artigo de opinião de Fernando Ferreira, Head of Capital Markets
Chegámos ao fim do primeiro trimestre que marca o arranque de uma nova década num cenário que era impensável: uma pandemia global parou o mundo, sem data prevista para a sua reativação. A saúde pública emerge como a prioridade absoluta nestes dias, com travagens abruptas em todas as esferas de vida e com o impacto destas ondas de choque ainda por avaliar.
Fazendo uma radiografia ao atual estado do mundo, vemos, desde logo, a chegada de uma crise sem precedentes. Há uma maior solidariedade de todos em torno de um problema de saúde pública, mas com a capacidade produtiva muito limitada, servindo o teletrabalho de recurso generalizado, e muitos negócios parados. A economia real enfrenta assim enormes desafios, com várias pequenas e médias empresas em dificuldades de tesouraria nos próximos meses, e consequentemente, um aumento de insolvências e do desemprego. Não há dúvida de que 2020 será um ano de recessão para que o mundo possa responder aos desafios da covid-19, com a agravante que assistimos a diferentes velocidades nas reações, o que irá impactar o lastro pós-corona.
Neste clima de incerteza, a capacidade de decisão dos investidores fica limitada, sendo ainda mais abalada na região do Médio Oriente, pela crise do petróleo. Contudo, na Alemanha, os fundos abertos estão com resgates reduzidos, o que nos permite, desde já, avaliar que estamos perante um cenário diferente da crise financeira de 2008. Além disso, e ainda na “fotografia atual”, a China começa a retomar lentamente os hábitos pré-covid-19, não obstante dever vir a estabilizar nos próximos 6 a 9 meses.
Virando a mira para o imobiliário nacional, temos que nos preparar para um primeiro semestre em que o 1º trimestre é pré-covid e o 2º trimestre será dedicado a gerir contingências. O 3º trimestre será, por isso, um período de regresso à normalidade e agosto, ao contrário do que é normal, não será aquele período de férias ou de natural abrandamento da atividade. O último trimestre, que tradicionalmente já é mais forte, será este ano um verdadeiro “carro vassoura”, devido à pressão sob o investimento que não se fez e vai querer concretizar-se antes do final de 2020.
O produto prime para investimento vai manter-se resiliente, com pouco impacto no preço. Mas o produto em que a estratégia de abordagem é de criar valor, terá mais dificuldades, principalmente no retalho, com muitos vendedores a resistir a uma revisão de preços em baixa, mas com os compradores a exigirem essa revisão mercê da pressão no mercado ocupacional. O imobiliário de retalho será um dos mais desafiantes na ocupação, com pressão dos retalhistas para a redução das rendas devido às quebras de vendas impostas agora.
Também o setor hoteleiro vai enfrentar dificuldades em 2020, com os impactos do surto de coronavírus neste segmento ainda difíceis de avaliar, mas certamente muito profundos por via das quebras no turismo internacional.
Já no que respeita aos escritórios, Portugal continua com grande dinamismo e o impacto deverá ser mais ao nível dos incentivos a conceder, por parte dos proprietários. O mercado logístico, por outro lado, será o grande vencedor da covid-19, dado o suporte necessário às cadeias de abastecimento de bens essenciais e o crescimento do comércio online.
Por fim e ao nível de setores, espera-se que o mercado de living se mantenha relativamente resiliente, pois a habitação (e em específico a habitação para arrendamento) é tipicamente o bem mais valorizado pela população em tempos de crise. Na promoção imobiliária, também se espera abrandamento, mas com os operadores atentos a oportunidades com preços revistos em consequência da pandemia.
Muitos desafios, é certo! Mas com a certeza de que o mundo não vai acabar! Muitos esperam uma recuperação da economia mundial em “U” – uma queda abrupta, seguida de estabilização “curta” e crescimento relativamente rápido. O nosso “dia seguinte”, como sociedade, economia e mercado vai chegar, sendo que das atuais dificuldades vamos certamente conseguir extrair oportunidades. Além disso, há conquistas que não vão perder-se mesmo com a covid-19.
Esta pandemia não terá impacto nas caraterísticas distintivas de Portugal que foram decisivas para atrair investimento (o nosso estilo e qualidade de vida, as competências académicas dos nossos profissionais, o facto de falarmos fluentemente duas ou mais línguas ou de sermos tecnologicamente evoluídos, a segurança que oferecemos, o dom de acolhermos quem nos visita, etc.).
É também claro que os investidores institucionais não abandonaram Portugal: há processos de venda adiados devido à Covid-19, mas que vão acontecer nos próximos 12 meses. E tal como acontecerá na economia, também no mercado imobiliário se espera uma recuperação em “U”, a prometer um crescimento significativo em 2021. Para isso, é também imperioso que as nossas instituições políticas reponham mecanismos de atração ao investimento estrangeiro. Na JLL, acreditamos que o amanhã será melhor e estamos preparados para dar as respostas mais adequadas aos nossos clientes nos diferentes ciclos de mercado, focados em continuar a trazer investimento estrangeiro para o país.
*Artigo de opinião escrito para o Dinheiro Vivo