Como vai ser o escritório na era pós-Covid-19?
Artigo de opinião de João Sacadura, Capital Markets Senior Consultant
O escritório pós Covid-19 será menos densificado e mais flexível, alternando cada vez mais espaços colaborativos com espaços privados. E terá também de ser um espaço que espelhe as preocupações da empresa com o colaborador, promovendo o seu bem-estar e, claro, a produtividade
Apesar de o país estar já a dar os primeiros sinais de retoma à normalidade, com o início do desconfinamento, continua a pairar um enorme ponto de interrogação sobre o impacto da pandemia Covid-19 no mercado de escritórios tal como o conhecemos até aqui.
Sendo nós os próprios atores em palco, enquanto o surto resistir não será possível prever com clareza quão profundo nem quão extenso será o seu efeito neste setor. No entanto, pelo menos duas coisas são para já evidentes: 1) a pandemia veio travar (temporariamente) a dinâmica muito positiva quer do lado da ocupação quer do lado do investimento em escritórios, mas 2) também se revelou o grande catalisador para uma tendência que, não sendo propriamente nova, não tinha até aqui grande expressão em Portugal: o trabalho remoto ou, se preferirmos, o teletrabalho.
Recuando três meses, à “explosão” da Covid-19 na Europa e em Portugal, o mercado de escritórios de Lisboa exibia uma dinâmica muito positiva, resultado de uma conjugação de vários fatores; começando, desde logo, pelo aumento da procura encabeçada quer por (novas) multinacionais quer por empresas nacionais.
Não sendo propriamente novo, este dinamismo continuado da procura nos últimos anos tem vindo a contribuir para um desequilíbrio com a oferta que, recorde-se, esteve quase uma década sem grandes projetos a surgir no mercado, fazendo com que espaços de qualidade, em localizações centrais e alinhados com os requisitos dos potenciais ocupantes se tornassem um ativo cada vez mais escasso. Gerando uma pressão adicional nas rendas, que após longos anos de estagnação subiram até aos 25€/m² mensais, este cenário motivou investidores e promotores a apostar no setor e na modernização e expansão do seu stock, chegando a ser contabilizado um pipeline de mais de 500.000 m² de novos escritórios para os próximos três a cinco anos.
Sem que o pudéssemos prever, de um momento para o outro veio a pandemia e, com ela a incerteza que levou a um inevitável abrandamento da dinâmica do setor. Mas, pelas suas circunstâncias, a crise sanitária veio também acelerar tendências do lado da ocupação que, embora já existissem, teimavam em se afirmar no nosso país, nomeadamente o teletrabalho.
Desde meados de março, milhares de pessoas estão a trabalhar num novo escritório: a sua casa… Com a imposição do teletrabalho, milhares e milhares de m² estão agora despojados dos seus habituais utilizadores e, este cenário que parece saído de um qualquer exercício teórico, pode (e deve) também constituir-se uma oportunidade para repensar a forma como concebemos os nossos espaços de trabalho.
Não parecendo haver do lado da ocupação uma vontade significativa em reduzir a área ocupada, pelo menos por enquanto, o principal embate da pandemia poderá ser, essencialmente, na forma como se concebem os espaços de escritórios. A necessidade de colocar o maior número possível de equipas em teletrabalho de um momento para o outro fez com que as empresas percebessem que efetivamente é possível terem os seus colaboradores – ou pelo menos, uma parte destes – a trabalhar remotamente, a partir de casa.
Mas, ao invés de concluírem que necessitam de menos área, as entidades ocupantes – e os seus colaboradores – têm vindo sobretudo a constatar e a reconhecer que há muito trabalho que não pode efetivamente ser realizado a partir de casa, reafirmando a importância do local de trabalho.
Portanto, daqui em diante iremos assistir sim a uma transformação na forma como os escritórios são concebidos pelos seus ocupantes, que vão querer cada vez mais espaços que fomentem (e aumentem) a produtividade, mas com uma estratégia bem alinhada com os benefícios do trabalho remoto.
O escritório pós Covid-19 será assim, menos densificado e mais flexível, alternando cada vez mais espaços colaborativos com espaços privados; mas terá também de ser um espaço que espelhe as preocupações da empresa com o colaborador, promovendo o seu bem-estar e, claro, a produtividade!
Num futuro sem pandemia, é imperativo que as empresas mostrem mais preocupação pela criação de espaços que permitam aos seus colaboradores serem mais produtivos, mas isso não obrigará necessariamente à racionalização de espaço. E a nossa convicção é que a tendência de densificação do espaço de trabalho que vínhamos observando ao longo da última década, comece agora a inverter-se. Acreditamos, sim, que esta pandemia nos trará importantes ensinamentos em relação não só às novas formas de trabalho, mas também à consciencialização da importância e adaptação dos espaços de trabalho em locais cada vez mais saudáveis e aprazíveis, que promovam flexibilidade, bem-estar e produtividade; como se da nossa segunda casa se tratem!
*Artigo de opinião escrito para a Visão