Artigo

O escritório do futuro

Artigo de opinião de Caetano de Bragança, Head of Sustainability & Workplace Strategy

Maio 14, 2020

Como a COVID-19 veio questionar o propósito dos espaços de trabalho.

A pandemia que estamos a atravessar marcará a história dos espaços de trabalho: a COVID-19 funcionou como um acelerador de uma realidade que já se previa, mas para a qual nem todas as empresas estavam culturalmente preparadas: a massificação e aceitação do teletrabalho.

Com maior ou menor facilidade, vimos milhares de pessoas começarem a trabalhar à distância em poucos dias, fazendo do teletrabalho o novo normal em tempos de recolhimento. E embora esta experiência esteja longe de representar um quadro típico de trabalho remoto, certamente impactará as empresas na forma como se organizarão no futuro. Como aliás o demonstra um estudo recente da JLL – no qual participaram mais de 1.000 profissionais portugueses em teletrabalho – e onde se conclui que 93% acredita que, a curto-prazo, o ideal seria poder trabalhar a partir de casa, pelo menos um dia por semana.

Ao mesmo tempo, tudo aponta para que os maiores avanços das próximas décadas se devam à crescente valorização da vida humana e do seu significado. O Homem, globalmente, continuará a dedicar mais tempo ao seu bem-estar físico e emocional, à sua formação cultural e artística, à sua espiritualidade e aos seus hobbies. Nisto, os espaços de trabalho das empresas serão um elemento-chave para a atração e retenção de pessoas.

Como pensamos e desenvolvemos hoje os escritórios?

A criação de espaços de trabalho assenta em quatro pilares de necessidades que foram aparecendo com o evoluir dos tempos. Regra geral, as abordagens têm em conta a seguinte ordem:

Eficiência: olha-se à relação entre áreas, número de ocupantes e custo;

Eficácia: compreendem-se as relações de proximidade, programa, função e tecnologia. A organização de pessoas e espaços como ganho para o desempenho;

Experiência dos utilizadores: olha-se à arquitetura e criação de espaços únicos e representativos da cultura da empresa, isto é, da sua identidade e dos seus valores éticos, morais, ambientais, sociais e, porque não, estéticos.

Sustentabilidade: escolhas que têm impactos positivos no bem-estar e na saúde dos ocupantes. Valorizam-se a qualidade do ar, temperatura, luz, acústica, design dos espaços e do mobiliário, vegetação, construção, consumos, etc.

No entanto, começamos a ver que a ordem destes quatro pilares se está a inverter. Sabemos que os edifícios e o setor da construção civil são responsáveis por 39% das emissões de CO2. Sabemos que as novas gerações e as empresas mais inovadoras encaram o combate à crise climática como uma obrigação moral. Com ou sem consciência ambiental, o mercado e os players adaptarão os espaços de trabalho.

E como iremos olhar para os escritórios após a pandemia?

Tudo faz prever para que vivamos tempos de mobilidade ilimitada. As redes wireless permitem-nos circular e trabalhar desde qualquer ponto. Sabendo que a tecnologia já existe, sabemos também que o ritmo da mudança ocorrerá de acordo com a cultura das empresas. Estas devem questionar-se sobre o que fazem, quem querem atrair e que cultura querem cultivar. Há que olhar a pessoas, espaços e tecnologia.

Até há bem pouco tempo, a maioria dos profissionais portugueses que trabalham em escritórios saíam das suas casas de manhã e voltavam ao fim do dia, cinco dias por semana. Estavam expostos a filas de trânsito infindáveis e a transportes públicos durante largas horas semanais. Procuravam o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional. A pandemia acabou com alguns estigmas que existiam sobre o teletrabalho e obrigou muitas pessoas e empresas a fazerem uma transição tecnológica que não tem retorno. Os estudos da JLL revelam também que 85% dos profissionais portugueses acreditam que as suas empresas se adaptaram bem ao teletrabalho durante as últimas semanas. Avançámos 10 anos em 10 semanas?

No regresso imediato aos escritórios teremos medidas sanitárias de prevenção excecionais. Contudo, num cenário de pós-pandemia, caso-a-caso, as empresas irão questionar-se sobre um reequilíbrio entre tempo passado em teletrabalho e o tempo passado nos escritórios, numa procura de aumentar a sua performance. Este exercício terá que ser feito pessoa-a-pessoa, departamento-a-departamento, de forma calculada e acompanhada, com ganhos para todos. O teletrabalho pressupõe que exista maturidade, confiança, transparência e empenho.

Poder-se-á afirmar que, passando a pandemia e as medidas de distanciamento, o futuro das empresas passará pela redução das suas áreas de trabalho, só possível pela implementação de políticas de teletrabalho e de partilha de secretárias. O local de trabalho expande-se assim às nossas casas, aos espaços de co-working, às esplanadas e jardins. Teremos mais opções e maior liberdade física. Este futuro dos espaços de trabalho concretizará os princípios da economia partilhada e circular, olhando sobretudo às pessoas, apostando no equilíbrio entre mobilidade individual e proximidade interpessoal.

A massificação do teletrabalho exigirá, por outro lado, uma melhor qualidade na comunicação presencial e um repensar da forma como ocupamos os espaços de trabalho. Estes serão mais colaborativos e informais, potenciando a criatividade e a inovação, olhando ao bem-estar e à saúde dos ocupantes. Os escritórios tradicionais não deixarão de existir, mas serão diferentes, porque a mobilidade no trabalho é libertadora e está a humanizar a forma como vivemos. 

*Artigo de opinião escrito para a Exame.

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