Artigo

A invasão

Quem passeia nos centros de Lisboa e Porto, não precisa de ver os dados do turismo para constatar que o número de turistas que nos visitam está a aumentar de forma exponencial nos últimos tempos.

Novembro 12, 2014

Quem passeia nos centros de Lisboa e Porto, não precisa de ver os dados do turismo para constatar que o número de turistas que nos visitam está a aumentar de forma exponencial nos últimos tempos.
Lisboa, Porto e Portugal estão, de facto, na moda, com inúmeros prémios e destaques das mais diversas proveniências, reforçando a imagem deixada nos visitantes (85% dos turistas afirmam que a viagem superou as expectativas num inquérito feito em Lisboa), o que potencia ainda mais o crescimento do turismo nos próximos anos.

São dados muito animadores para o nosso país, com um impacto evidente em toda a economia. O impacto mais positivo é sem dúvida a reabilitação dos centros históricos, outrora deixados ao abandono, com melhorias substanciais na qualidade urbana destes territórios.

Por outro lado, há que destacar a criatividade e iniciativa dos nossos empreendedores, pois têm surgido conceitos inovadores em diversos sectores, desde o alojamento à restauração, mas também nos transportes turísticos, que vêm reforçar o carácter único e autêntico das nossas cidades, promovendo um turismo de qualidade.

Os nossos novos hotéis, restaurantes, apartamentos turísticos e hostels são habitualmente distinguidos como do melhor que se faz no mundo, não só pela imprensa da especialidade mas também pelos próprios hóspedes, promovendo a qualidade do nosso destino.

No entanto, toda esta euforia desencadeia um série de questões que importa discutir e reflectir, de modo a que o crescimento futuro continue a ser sustentável e aceite por todos.

Um dos maiores riscos do crescimento exponencial do turismo em cidades pequenas como Lisboa e Porto (à escala global) é a falta de capacidade da estrutura urbana, para receber e acomodar um tão grande número de visitantes e permitir que estes possam conviver em harmonia com os habitantes locais.

Temos o exemplo recente de Barcelona, uma cidade de dimensão semelhante, com o qual devemos aprender a não seguir o mesmo modelo de excesso de liberalismo que tem vindo a torná-la num verdadeiro parque temático “Ramblas – Gaudi”.

No documentário “Bye Bye Barcelona” são abordadas estas questões, nomeadamente a “expulsão” de residentes das zonas históricas, para a sua substituição por turistas, suas causas e consequências, que nos poderá servir de sério aviso. Nesta cidade tem-se assistido a uma gradual substituição do comércio tradicional por lojas de souvenirs e de restauração dirigidas a turistas, pois deixou de haver espaço para a baixa rentabilidade do comércio de âmbito local.

Muito embora existam diferenças entre Barcelona com o que se está a passar em Lisboa e Porto, não há dúvidas que as consequências poderão ser muito semelhantes, sendo que já se sentem alguns desses fenómenos como a falta de disponibilidade de apartamentos a valores comportáveis para residentes locais.
Neste caso, Lisboa e Porto são muito vulneráveis, pois perderam muitos habitantes nas últimas décadas, deixando um grande número de fogos devolutos, que agora estão disponíveis para uma rápida ocupação para fins turísticos. Embora este facto seja muito positivo a curto prazo para a reabilitação destes centros, a excessiva ocupação dos centros históricos por turistas, irá criar desequilíbrios que a médio-longo prazo também irão prejudicar o próprio turismo.

A importância que o Turismo representa para o nosso país e o elevado potencial para um continuado crescimento, faz com que devam ser elaborados e implementados Planos Estratégicos para cada uma das cidades, que possam integrar este impacto no planeamento das cidades. Nestes deverão ser definidas, por exemplo, números máximos de unidades e camas turísticas por zona, bem como identificar novas zonas a desenvolver (ou reabilitar) com potencial turístico, de modo a tentar dispersar melhor os turistas nas cidades e criar novas atracções em locais onde hoje não existem ou não são conhecidas, usando o excelente património já existente, mas também criando mecanismos de fomento e controlo de qualidade da oferta turística.

Estes planos não deverão servir para restringir o turismo mas antes para o potenciar de forma sustentável e equilibrada. A nossa previsão é que o Turismo continue a crescer de forma acelerada nos próximos anos e temos que criar condições para que os nossos visitantes continuem a ficar muito satisfeitos e surpreendidos com as suas experiências, e ao mesmo tempo procurar alargar e diversificar a nossa oferta.

Devemos, por outro lado, ter planos para atracção de residentes para o centro, que se possa em conjunto criar um “mix” mais interessante e sustentável para a vivência urbana das cidades.

Sei que não somos muito dados a “planos estratégicos”, mas as nossas cidades são únicas e autênticas, com características que não se encontram facilmente em outros destinos. Por isso mesmo, temos de perceber bem que modelo de desenvolvimento queremos, ser rápidos e prepararmo-nos melhor para a “invasão” turística que iremos continuar a sentir nos próximos tempos, para que depois não seja demasiado tarde.