Mercado de Investimento Imobiliário: What´s Next?
André Vaz, Head of Living and Alternative Investment da JLL
O investimento em imobiliário comercial Português tem sofrido grandes e boas alterações. Depois de décadas abaixo da fasquia dos €1.5 Mil milhões (Bn), acima de tudo proveniente de capital nacional, as alterações legislativas de há 10 anos, juntamente com a nossa saída da crise de divida e regresso ao crescimento económico, o volume de investimento ultrapassou a barreira dos €2Bn no ano de 2017, batendo recordes acima dos €3Bn em 4 anos desde 2018, período caracterizado por uma predominância de capital estrangeiro, muitas vezes perto dos 90% do total investido.
Portugal tinha, então, entrado definitivamente no radar dos investidores institucionais internacionais e no mercado global de investimento. Desde então, muita coisa mudou: remodelações de edifícios antigos, expansões de outros, muita construção nova, novos conceitos a aparecer como residências de estudantes e edifícios de escritórios altamente sustentáveis. O interesse era enorme, as oportunidades imensas.
Mas o mercado de investimento em Portugal já não se rege apenas por conjunturas internas e está intrinsecamente ligado a fatores externos, como demonstraram alguns desafios recentes: COVID, subida dos custos de construção e inflação generalizada, subida das taxas de juro para a combater... alterações estas que ditaram novas regras para os players de mercado. Nesse sentido e como seria de esperar, o mercado retraiu-se em 2021 (€2.0Bn) e novamente em 2023 (€1.7Bn), para valores que já não se viam desde 2016. 2024 será com toda a certeza um ano de valores semelhantes ao ano passado (€675 Milhões registados no primeiro semestre do ano). Entre as maiores transações deste primeiro semestre destacam-se a transação do edifício de escritórios K-Tower no Parque das Nações pela Real IS e a venda do Hotel Sofitel Lisbon Liberdade pela AccorInvest à Extendam. No segundo semestre, já foi concluída uma grande transação, desta feita o Alegro Montijo, por €178 milhões.
Todos os agentes de mercado sabem que o imobiliário também vive de ciclos. Assim, é enquadrada nessa expectativa e experiência profissional que muitos esperam a tão esperada retoma do mercado. No entanto, parece-me que esta chamada “crise” tem ingredientes muito diferentes das anteriores e que por esse motivo tem surpreendido os especialistas, que antecipavam a retoma para alguns trimestres atrás. Vejamos alguns fatores contrários à crise de 2012 e respetivo ajuste do mercado:
- Existe muita liquidez no mercado e pouco produto (seria de esperar o inverso?);
- Custos de construção continuam elevados, quando poderiam (deveriam?) ter descido
- Custos de terrenos não se ajustaram em baixa;
- Bid/ask spread (gap/diferença entre vendedor e comprador) tem sido grande nos últimos 2 anos, ou seja, proprietários e vendedores demonstraram muita paciência, resiliência e pouca vontade em vender a desconto, o que demonstra várias coisas: em primeiro lugar e felizmente, que o perfil de crédito é hoje totalmente diferente e que os bancos estão em muito melhor estado de saúde hoje do que em 2012; em segundo lugar, porque não se sentem pressionados a vender porque operacionalmente tem-lhes corrido bem;
- Quase todos os sectores têm excelentes indicadores de performance operacional: turismo a subir, economia a crescer, vendas de centros comerciais e lojas de rua a crescer, aumento do comércio internacional, subida do número de estudantes, etc.
Ou seja, de certa forma, é uma crise algo invulgar, na medida em que não houve uma correção clássica de preços. Uma crise de onde todos querem sair ou pelo menos querem ver oportunidades de investimento mais oportunistas. E é aqui que entra a minha pergunta: depois da crise, “What’s next?”.
Julgo que partilho a opinião de todos os players de mercado, e do que ouço de centenas de conversas: todos esperam as oportunidades e o timing ideal. Mas qual será o trigger que colocará o mercado de investimento mundial aos níveis anteriores? Agora que as taxas de juro começaram a descer, quem irá ceder? O vendedor ajusta-se aos compradores e assume rentabilidades mais baixas? Ou os vendedores tentam agarrar os compradores que se perfilarão para comprar, aceitando vender um pouco a desconto? Porque sem dúvida que o interesse é nesta fase maior...tem é que se fechar aquele gap entre comprador e vendedor.
Para podermos tentar fazer alguma futurologia na evolução do mercado, temos novamente de analisar dados e procurar oportunidades e desafios no curto e médio prazo. Em termos de oportunidades:
- Economia mundial a crescer, salvo algumas exceções preocupantes como a Alemanha, que é o principal motor da Europa;
- Economia portuguesa a crescer de forma estável, mas ao ritmo que nos habituou (2.0%-2.3% em 2024 e 2025) e com défices controlados (aliás, superavit de 1.2% em 2023);
- Abrandamento da inflação (2.2% em junho de 2024) e respetiva moderação na política monetária, que tenderá a beneficiar a economia;
- Consequentemente, melhoria das condições de financiamento para novos investimentos imobiliários;
- Crescimento consistente do emprego em Portugal (desemprego nos 6.1% em junho de 2024);
- Elevada procura e pouca oferta nos diversos segmentos, resultando numa subida generalizada dos preços e das rendas;
- Subidas generalizadas das yields das diferentes classes de ativos, de imobiliário comercial, entre 50 e 125 pontos base). Mas será suficiente? Já existe pressão para descer. Descerão? Como se manterá o imobiliário competitivo como nos últimos 8 anos?;
- Indicadores económicos e operacionais muito robustos, que suportam a rentabilidade e a resiliência dos ativos imobiliários: o Apesar de toda a polémica em volta desta classe de ativos, escritórios apresentam bons níveis de absorção (153.000m2 até agosto, +153% YTD face a 2023) e as multinacionais continuam a procurar Portugal para alargar a sua presença no país;
- Indicadores de turismo em níveis históricos e superiores a 2019, principalmente nas dormidas e RevPar (+15,4% 2023 Vs 2022), com aberturas de dezenas de novos hotéis, incluindo hotéis de luxo
- Footfall e vendas crescem (+8,5 e 9,0%, respetivamente) face ao ano passado nos centros comerciais;
- Cenário semelhante para o comércio de rua, com o footfall e as vendas a crescerem, elevando a procura de novas marcas por novos espaços, resultando num aumento generalizado de rendas tanto em Lisboa como no Porto;
- No sector de Industrial & Logística, o take-up aumentou 35% no primeiro trimestre do ano para cerca de 415,000 m2, valores que não são maiores devido à escassez de produto. Portugal posiciona-se hoje, aproveitando a sua localização estratégica, como um hub importante no comércio internacional e também na instalação de Data Centres;
- No sector das residências de estudantes, o crescimento robusto do número de estudantes, ano após ano (+3% vs. 2023), aliado à escassez de oferta de habitação para os mesmos, resulta numa subida generalizada das rendas não só em Lisboa e Porto, mas também noutras capitais de distrito.
No que toca a desafios ou riscos:
- Alguns desafios macroeconómicos pela frente, como o escalar de tensão em algumas frentes de guerra na Ucrânia e Médio Oriente e tensões geopolíticas generalizadas com eleições importantes (EUA);
- Perda de competitividade do imobiliário por via da melhoria dos indicadores de retorno de outras classes de ativos concorrentes, como por exemplo nas taxas de juro dos depósitos a prazo (2.90% em janeiro 2024 vs. perto de 0% em entre 2017 e 2022) ou retornos na compra de obrigações de tesouro de diversos países (2,72% no caso Português em Setembro de 2024 vs. abaixo dos 2% entre 2017 e 2022). Ou seja, o imobiliário esteve francamente competitivo durante pelo menos 5 anos.
Em conclusão, não há dúvida que apesar de todos os riscos macroeconómicos e concorrenciais entre imobiliário e outras classes de ativos, Portugal continua definitivamente no mapa, o imobiliário mantém-se como classe de ativos de referência, patente na enorme procura e muitos indicadores de mercado deixam-nos positivos para os próximos anos. O investimento em imobiliário comercial sempre foi um refúgio seguro dos investidores e continuará a ser, agora mais do que nunca suportado por equipas altamente profissionais que desenvolvem projetos criativos, promovem melhores performances operacionais e desenham business plans sólidos para os diferentes projetos.
Julgo que a resposta à minha questão principal deste artigo passa pela diferenciação e otimização operacional. Ou seja, antecipo o aparecimento de edifícios de escritórios e residenciais com escala e com os maiores standards ESG, projetos mixed-use disruptivos que criem novas experiências aos consumidores e trabalhadores, novas e criativas soluções de habitação, armazéns futuristas em localizações premium, classes de ativos alternativos... a resposta nos próximos 2-3 anos poderá não passar pela clássica compressão das yields que tantos anseiam e conhecem, que surge como consequência de cada crise, mas antes pela valorização de capital quer por via do aumento das rendas como pela eficiência operacional. Num mundo complexo e em constante mudança, certamente que os melhores ativos serão muito procurados pelos investidores. Os promotores e proprietários terão de se ajustar à nova realidade, investir bem na promoção e remodelação dos projetos para que sejam sustentáveis no longo prazo e que tragam confiança aos investidores a longo prazo. Nunca a diferença entre o green e o brown investment foi tão grande.
Só o tempo o dirá, mas será certamente um período muito interessante de observar e de contribuir construtivamente para o mesmo.
*Artigo escrito para a Confidencial Imobiliário