Artigo

Teremos capacidade de navegar para novos mundos?

Artigo de Opinião por Tomás Bonifácio, Senior Consultant Industrial & Logística na JLL

Dezembro 15, 2022

O panorama a que temos assistido na última década neste setor, com especial enfoque desde 2019, traduz-se num desequilíbrio entre os ventos que sopram do exterior – leia-se investimento – e o embate que esses mesmos ventos enfrentam quando chegam ao território – leia-se parque imobiliário. A analogia aos ventos e mares, poderá, no final do dia, não ser despicienda. Mas já lá vamos.

Olhando para o volume de investimento comercial da última década, rapidamente nos apercebemos de que a percentagem alocada a esta classe de ativos, nesse período, não ultrapassa os 6%. No entanto, apenas em 2022, ela já representa cerca de 40%.

O mesmo se aplica ao mercado ocupacional, com um take-up registado estável nos últimos 7 anos, mas que duplicou após 20/21 para níveis acima dos 400.000m2 arrendados por ano.

A este apetite do mercado não é alheio o contexto que vivemos atualmente, mas também a prova de que um ativo logístico é um produto resiliente e essencial à dinâmica dos novos hábitos de consumo das populações. Lembremo-nos de como em 2020, num período onde a circulação de pessoas esteve fortemente condicionada, todos recorremos às entregas ao domicílio e como esse costume já é mais do que uma mera tendência. Ou como, mais recentemente, nos debruçamos sobre supply-chain ao assistirmos a atrasos e incrementos de custos na distribuição de bens alimentares, energia ou matérias-primas.

A transformação operacional acima descrita, é acompanhada pela transformação digital, que irrompe por todas as vertentes não só do setor, como das nossas vidas, seja na sociedade civil, no dia-a-dia das empresas e em todas as áreas de negócio.

Os ventos dos Data Centers sopram, assim, com bastante intensidade e Portugal tem procurado posicionar-se para receber também esta classe de ativos, que encontram no país um ambiente favorável, reforçado pelo alinhamento com as melhores práticas internacionais relativamente a ciber-segurança, proteção de dados e infraestruturas existentes.

Mas a necessidade de repensar ou adaptar as cadeias de distribuição, trouxe também novos conceitos como o self-storage, dark-stores e dark-kitchens, last-mile delivery, PO-boxes ou lockers, até aos mais tradicionais como light industrial ou big-boxes, associados a grandes centros de distribuição.

Tomás Bonifácio, Senior Consultant Industrial & Logística na JLL

Se a este contexto disruptivo, juntarmos o mais recente ingrediente ESG (Environmental, Social, and Corporate Governance), em todas as suas vertentes, temos o cocktail perfeito para uma aceleração do setor. Seja nas soluções construtivas (net-zero carbon), seja na cadeia de abastecimentos (Scope 1,2,3), seja na qualificação da mão de obra, entre outros, a margem de evolução é bastante superior relativamente a outras classes de ativos imobiliários e, nesse sentido, onde está a necessidade, está também a oportunidade.

Existe, por conseguinte, uma atividade bem palpável e outra tanta latente e ávida por de alguma forma fazer parte deste crescimento. Buscam os parceiros certos, içam as velas e aproveitam os ventos favoráveis que estão à vista.

Ainda assim, estes dados que à partida parecem animadores, são-no sobretudo quando olhamos para o topo do iceberg. Em contrapartida, abaixo da linha da água, assistimos diariamente à tal procura latente, ao interesse nacional e internacional por parte de investidores, promotores, operadores, que querem desenvolver, reabilitar, posicionar-se em projetos imobiliários logísticos.

São os tais ventos favoráveis que sopram diariamente sobre o país, e que, na generalidade, têm dificuldade em encontrar velas que os aproveitem. Refiro-me, essencialmente, à escassa oferta de qualidade – seja de terrenos para desenvolver ou edificado já existente (lembremo-nos do pouco que se construiu no setor na última década) – mas também da morosidade e imprevisibilidade do processo construtivo e de licenciamento (tema mais do que vincado, mas que vale sempre a pena reforçar).

Se na logística os desafios são grandes, na indústria não são diferentes.

Os mais recentes estudos indicam que a tendência do transporte multimodal veio para ficar – a utilização das vias aérea-marítima (ou vice-versa) tem o potencial de combinar o melhor dos dois mundos: a velocidade do transporte aéreo e o reduzido custo do transporte marítimo. No entanto, a disrupção das redes de distribuição (durante a pandemia, e mais recentemente com a guerra na Ucrânia) criou constrangimentos severos em portos marítimos e aeroportos.

Este facto conduziu algumas organizações a apostar no chamado reshoring e numa estratégia de diversificação geográfica da produção, da transformação e dos fornecimentos, reduzindo dependências e aumentando a proximidade aos mercados de consumo.

Num contexto global, feliz ou infelizmente, a ameaça de uns representa também a oportunidade de outros, e Portugal surge assim como um dado novo e relevante nesta nova estratégia global. Veja-se o exemplo do corredor de energia verde entre Portugal, Espanha e França, anunciado recentemente.

Na JLL, temos vindo a observar de perto este movimento generalizado e a acompanhar empresas de setores tão díspares como energia eólica, componentes automóveis, minérios, indústria farmacêutica ou plásticos. O interesse destas entidades está em deslocalizar as suas fábricas e operações para territórios periféricos, estrategicamente localizados, dando também resposta à falta de mão de obra e escassez de terra em zonas e mercados mais consolidados. Naturalmente, estas organizações procuram acesso a profissionais qualificados, a preços competitivos, proximidade a vias de acesso (marítimo, terrestre ou aéreo), segurança, e estabilidade política e legislativa.

No fundo, o potencial que sempre identificámos, embora nunca verdadeiramente materializado.

Um exemplo visível deste potencial é o transporte marítimo, essencial para o setor industrial e mais ainda numa estratégia de reshoring. Sabe-se que hoje em dia cerca de 90% das mercadorias globais são transportadas por esta via e que o volume global do tráfico de contentores aumentou 150% nos últimos 20 anos. Quantos países haverá com maior rácio de porto marítimo por habitante, aliado ao nosso enquadramento geográfico? O facto é que nem no mercado ibérico somos atualmente representativos...

Saibamos pois, enquanto país, tirar partido destes ventos favoráveis que nos sopram do exterior, promovendo a abertura por parte dos agentes económicos e políticos a estes movimentos, beneficiando da nossa geografia e potenciando as nossas infraestruturas.

Fomente-se um ambiente Business Friendly que reforce a transformação digital e motive o investimento em tecnologia. Criem-se incentivos públicos, financeiros e fiscais para o setor, conclua-se de uma vez a revisão das centenas de Planos Diretores Municipais ao abrigo da nova Lei dos Solos, promova-se a transparência urbanística, transacional e ocupacional dos ativos, comuniquem-se as boas práticas e casos de sucesso, e teremos certamente a capacidade de navegar para novos mundos.

*Artigo escrito para a Visão

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